REFLEXÕES ACERCA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA EM MATÉRIA DE INDIGNIDADE SUCESSÓRIA
Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar a aplicação do princípio da boa-fé objetiva em matéria de indignidade sucessória, partindo do reconhecimento neste princípio de uma função estabelecedora de um padrão ético de comportamento nas relações jurídicas. Nascido no campo negocial, o princípio da boa-fé objetiva vem estendendo sua incidência pelos demais ramos do direito que tutelam as relações particulares, a exemplo do Direito das Sucessões, área que regula a transmissão do patrimônio de uma pessoa em função de seu óbito. Dentro da seara dos direitos hereditários, o instituto da indignidade se apresenta como um dos campos de atuação da boa-fé objetiva, na medida em que permite a privação da herança ao sucessor que pratique atos que causam repugnância moral, social e jurídica, impedindo-lhe de extrair vantagem do patrimônio daquele a quem ofendeu ou de pessoas da família do morto. Ocorre que, para a maioria dos doutrinadores e julgadores, somente as condutas expressamente tipificadas no art. 1.814 do CCB são passíveis de culminar no afastamento da sucessão, posicionamento com o qual não concordamos em função da própria natureza sancionatória de conteúdo ético que o instituto da indignidade representa, cabendo, para esse fim, realizar uma interpretação finalística da norma a partir do critério da boa-fé objetiva familiar a fim de permitir a exclusão da sucessão em razão de outras condutas igualmente gravosas além daquelas previstas texto legal.
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Referências
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______. Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de ação ordinária para exclusão de mulher da sucessão de tio, que apresentava problemas mentais por esclerose acentuada, anterior ao consórcio. O casamento restou anulado por vício da vontade do nubente, que também foi interditado a requerimento de uma das recorridas, bem como anulada a doação de apartamento à recorrente. Apesar de o recurso não ser conhecido pela Turma, o Tribunal a quo entendeu que, embora o efeito da coisa julgada em relação às três prestações jurisdicionais citadas reste adstrito ao art. 468 do CPC, os fundamentos contidos naquelas decisões, trazidos como prova documental, comprovam as ações e omissões da prática de maus tratos ao falecido enquanto durou o casamento, daí a previsibilidade do resultado morte. Ressaltou, ainda, que, apesar de o instituto da indignidade, não comportar interpretação extensiva, o desamparo à pessoa alienada mentalmente ou com grave enfermidade comprovados (arts. 1.744, V, e 1.745, IV, ambos do CC) redunda em atentado à vida a evidenciar flagrante indignidade, o que leva à exclusão da mulher da sucessão testamentária. REsp 334.773-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 21/5/2002.
______. Tribunal de Justiça do Estado do Amapá. DIREITO SUCESSÓRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXCLUSÃO DE SUCESSÃO (ART. 1.814 DO CC). INDIGNIDADE DA COMPANHEIRA DO DE CUJUS. LATROCÍNIO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. 1) Constatado que a ré praticou contra o seu companheiro o crime de latrocínio (roubo qualificado pelo resultado morte), em verdadeira afronta aos princípios de justiça e da moral, cabível a interpretação extensiva da disposição contida no art. 1.814 do CC, para reconhecer a sua indignidade e excluí-la da sucessão, evitando-se que a mesma venha a ser contemplada pelos bens deixados por ele. 2) Recurso provido. Apelação Nº 0031105-80.2013.8.03.0001. Câmara Única Do Egrégio Tribunal De Justiça Do Estado Do Amapá. Relator Des. Carmo Antônio. Julgado em 03.03.2015.
______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. DIREITO DAS SUCESSÕES. INDIGNIDADE. Pretendida exclusão de beneficiário de plano de pecúlio, condenado no âmbito criminal por lesão corporal seguida de morte e ocultação de cadáver. Possibilidade de aplicação do instituto da indignidade em outros campos fora da herança. Incidência do artigo 1.595 do Código Civil de 1916, vigente à época da morte. Rol que não é taxativo. Casos de indignidade que consagram uma tipicidade delimitativa, a comportar analogia limitada. Falta de idoneidade moral do algoz para ser contemplado pelos bens deixados pela vítima. Interpretação teleológica. Enquadramento no espectro finalístico da norma jurídica em análise. Indignidade reconhecida. Sentença reformada. RECURSO PROVIDO. Apelação nº 9215521-04.2007.8.26.0000. 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Relator Paulo Alcides. Julgado em 15 de agosto de 2013.
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